Faz duas semanas do anúncio de que a Amazon comprou os direitos d’O Senhor dos Anéis e está planejando uma adaptação para série do livro, a ser lançada em 2020. Gostaria de compartilhar minha opinião sobre o assunto. Essa opinião vem em duas partes.
Sobre a série
Se a série manter o roteiro próximo ao do livro, tudo vai estar bem. Não é difícil adaptar um livro para uma série, especialmente se você já conhece o final e o autor se preocupou em fazer uma linha de tempo nos apêndices.
Haveria uma só possibilidade de falha: se a Amazon decidir produzir um spin-off d’O Senhor dos Anéis. Todo jogo da Electronic Arts e da Warner Bros. Interactive Entertainment que tentou criar uma história original que tivesse a mesma sensação de O Senhor dos Anéis, falhou. Eles encontraram o mesmo problema que o próprio Tolkien teve, ao escrever A Nova Sombra.
Tolkien desistiu dessa história porque ela deixava o gênero épico. “Eu poderia ter escrito um ‘thriller’ sobre esta trama e sua descoberta e derrubada — mas teria sido apenas isso. Não vale a pena escrever.” Eu discordo de Tolkien: gosto de thrillers escritos em universos épicos, como de Forgotten Realms. Mas nenhum livro sobre o Elminster será capaz de me dar a mesma sensação de ler O Senhor dos Anéis.
Mas, ao mesmo tempo, nenhum jogo da EA e da WB foi capaz de chegar ao nível de narrativa dos livros de Forgotten Realms. A qualidade da narrativa é muito mais importante do que o gênero da história. E neste quesito a Amazon tem plena vantagem, com ótimos roteiristas que criaram excelentes séries.
Portanto, não me preocupo com O Senhor dos Anéis e seu mundo. Ele está em boas mãos.
Sobre os fãs
Eu li O Senhor dos Anéis por causa dos filmes. Pedi o livro de aniversário de 18 anos, logo após sair da sessão d’A Sociedade do Anel. Quando comecei a frequentar os fóruns, percebi que um pessoal da velha guarda não gostava de fãs que vieram por causa dos filmes. “O filme é inferior”, diziam eles. Por extensão, todo fã que entrava no fórum por causa dos filmes era inferior, até que provasse o contrário — a eles.
Esse povo elitista já foi uma pedra no sapato de quase qualquer pessoa que tenha participado de algum grupo. Sempre tem alguém que deixou o cérebro guardado no armário antes de entrar na internet para lhe dizer qual é o “jeito certo” de gostar do assunto que você se interessa. 13 anos depois, eu estou vendo o mesmo tipo de comportamento das pessoas que assistiram os filmes, com medo do que a Amazon vai fazer.
Todo fandom tem esse problema. É como torcida de futebol: um grupo de pessoas que se acha especial porque apoia algo. Quando alguém decide mexer com esse algo que você pensa que lhe faz especial, você se revolta. É uma dupla agressão. Dá pra imaginar o cérebro desse ser humano pensando:
Se a série da Amazon ficar ruim na minha opinião, eles estragarão algo que eu amo e eu terei vergonha disso. Mas se eles tornarem isso popular, eu não vou ser mais especial por gostar disso.
Não fico surpreso com esse tipo de arrogância, afinal de contas, o próprio Tolkien era uma pessoa arrogante. Ele odiava a Disney, porque ele amava a mitologia nórdica, e os anões de A Branca de Neve eram, em sua opinião, uma afronta àquilo que ele achava que o fazia especial: gostar de mitologia. Não ajudava também que Walt Disney “cometeu o sacrilégio” de inventar uma forma de fazer dinheiro com contos de fadas, outra coisa que Tolkien tomou para si como parte de sua identidade: o professor de Oxford que defende contos de fadas.
Sim, nosso herói literário também fez muito papel de trouxa. Mas isso não me deixa menos decepcionado com os fãs. O fandom tolkieniano, em sua maior parte, leu um livro sobre um burguês minúsculo que, já no primeiro capítulo, é humilhado ao perceber que não é nada especial: de fato, é tratado com suspeita, pois está sendo avaliado em sua qualidade de ladrão. Mais tarde, ele descobre que o que lhe faz especial é sua capacidade de enxergar a coisa certa a se fazer com humildade, no momento em que seu amigo está cego de orgulho ferido.
O fandom leu isso e, hoje, age exatamente como o amigo cego de orgulho ferido!
Fãs, se a série for ruim, ela não vai reescrever os livros, nem apagar as cópias existentes dos filmes. A única coisa que pode ser ferida com uma série ruim é o seu ego que, de uma forma doentia, acha que gostar d’O Senhor dos Anéis é o que lhe faz especial.
Ouça o cara que tem um site de élfico, alguém que poderia achar que é um figurão por causa do seu “status” no fandom:
Gostar d’O Senhor dos Anéis não lhe faz especial.
É a maneira que você age com as outras pessoas que lhe faz especial: como você dispensa julgamento apenas sobre aquilo que já foi realizado; o quão genuinamente você dá os parabéns ao outro pelo sucesso; e o quão gentil você é com alguém que fracassou.
Portanto, dispense julgamento à Amazon apenas quando ela entregar a série. Parabenize-a se ela fizer um bom trabalho, mas seja gentil se você achar que não ficou bom. Porque por trás da série, tem um monte de seres humanos, que nem você, que estão só tentando fazer o melhor possível, todo dia.
Uma coisa que realmente admiro em você é a sobriedade.
Amei! Concordo com exatamente TUDO. Parabéns 😐🤗
Poxa, cai nesse blog de paraquedas, amei o conteúdo, mas comecei com artigos de 2008, gostei tanto que curiei pra ver se ainda “existia” hoje em dia. E me surpreendi com esse texto, fãs assim dão belos exemplos de como os livros dos quais gostamos, nos ensinam, e de como orgulhosos são aqueles que esquecem do que leram.
Aliás, que conteúdo grandioso tem nesse site!!! Parabéns!!!
Agradeço muito, Jacke!