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Raízes consonantais em -r

O estudioso norueguês Helge Fauskanger traz uma teoria interessante sobre o pretérito de raízes que terminam em -r:

PE17:168 permite um novo insight em uma das classes de verbos.

Tolkien lista alí a raiz SRIS, significando “neve”, da qual o presente hríza “está nevando” deriva (Quenya exílico *hríra). Então ele dá o pretérito como hrinse, ou o mais tardio hrisse (o editor não tem muita certeza sobre essa última forma, mas ela faz sentido fonologicamente).

Isto tem suas implicações para o verbo hlar- “ouvir”, que supostamente vem da raiz SLAS. Eu anteriormente presumi que o pretérito seria simplesmente hlazne > hlarne, e esta é a forma que o primitivo *slasne resultaria em Quenya […] Mas se os verbos primários terminando no S original recebessem a infixação nasal antes desse “S”, ao invés de receber a desinência fraca simples ne depois dele, a combinação resultante ns produziria o Quenya ss. […]

Talvez nós devamos distingüir três subgrupos de raízes consonantais em -r:

  1. Aquelas onde o R era original: car- “fazer” da raiz KAR, tir- “observar” de TIR e assim por diante. Aqui o pretérito parece ser formado simplesmente ao adicionar -ne (relativamente bem atestado: carne “fez”, merne “desejou”, querne “virou”, tarne “pôs-se de pé” tirne “observou”, turne “controlou”).
  2. Aquelas onde o R vem do D original (via Z), onde a consoante original é preservada seguindo o infixo nasal no pretérito: rer- “colher”, pret. rende porque a raiz é RED (Etymologies), yor- “confinar”, pret. yonde porque a raiz é YOD (PE17:43). Presumivelmente os verbos hyar- “rachar”, nir- “pressionar” e ser- “descansar” também pertemcem a esta classe (raízes SYAD, NID, SED), embora Tolkien não tenha mencionado suas formas no pretérito.
  3. Aqueles onde o R vem do S original (novamente via Z). Estes seriam *hrir- “neve” (apenas atestada na forma arcaica *hirz-), pret. hrisse para *srinse, e então talvez também hlar- “ouvir”, pret. hlasse (para *slanse).

O alemão Thorsten Renk sugere que sejam contabilizados os exemplos com alongamento de vogal:

  • #ohtakar- “fazer guerra” pret. ohtakáre (SD:246)
  • yor- “confinar” pret. yóre (PE17:43)

O fato que ambos †yonde e yóre são dados como pretéritos em PE17:43, e que yonde é marcado como “poético ou arcaico” é interessante, porque aponta para que yóre seja o pretérito por analogia — mas analogia com o quê? Alguém poderia imaginar que há um grande número de exemplos de verbos em -r para os quais o alongamento das vogais era normal — possivelmente os cuja raiz já possuía -r. E isto vai perfeitamente de encontro ao pretérito cáre (PE17 tem mais alguns outros pretéritos com alongamento de vogal na raiz, mas nesta fonte em particular Tolkien cita o pretérito como carne (PE17:144). Contudo, ambos podem ter coexistido).

Helge replicou hoje ao e-mail de Thorsten:

Essa maneira de formar o pretérito […] foi atestada primeiramente em unduláve no Namárië. […] Eu tradicionalmente presumi que seu papel no Quenya do estilo do SdA era bem limitado, mas há realmente evidências se acumulando de que ela ainda era proeminente, e eu venho revisando meus conteúdos de acordo.

Alguns exemplos citados por Helge durante seu e-mail foram:

  • tul- “vir”, pret. túle (sem fonte, mas ao dizer que era antiga eu imagino o Qenya Lexicon);
  • mel- “amar”, pret. méle (QL:60);
  • mol- “trabalhar”, pret. móle (PE17:115);
  • yam- “gritar”, pret. yáme (QL:105);
  • sam- “ter”, pret. sáme (PE17:173).

Não é exatamente a mesma língua

Há quase um mês, houveram duas grandes discussões na Elfling, uma delas envolvendo, como não poderia deixar de ser, Helge Fauskanger e a Equipe Editorial. A discussão em si não é o assunto deste post, mas sim uma mensagem do estudioso americano Carl Hostetter.

Resumindo, o Helge desafiou qualquer um a mostrar onde três frases em neo-Quenya demonstram não ser da mesma língua inventada por Tolkien. As frases sendo:

  1. I Elda lende i ciryanna “O elfo foi para o navio”.
  2. Andanéya i Naucor hirner malta i orontissen “há muito tempo atrás os Anões acharam ouro nas montanhas.
  3. Cenuval nér nóra i taurello i ostonna “Você verá um homem correr da floresta para a cidade”.

Hostetter aceitou o desafio, analisando essas frases da seguinte forma:

I Elda lende i ciryanna “o Elfo foi para o navio” [N.T. ing. “the Elf went to the ship”]: Aqui e em cada uma dessas sentenças, o uso do artigo definido segue precisamente o original em inglês. As composições em Quenya de Tolkien obviamente não o fazem, e de fato o usam um tanto menos que o inglês. Portanto, de partida essas sentenças revelam o uso da sintaxe inglesa, ao invés da do Quenya, neste ponto.

Andanéya i Naucor hirner malta i orontissen “long ago the Dwarves found gold in the mountains” [“há muito tempo os Anões encontraram ouro nas montanhas”]: Primeiro, (i) Naucor significa “(os) Anões (em geral ou sob discussão)”, não “os Anões como um povo”, como é requerido neste contexto. Então o coletivo Naukalie deveria ser utilizado, e o uso indiscriminado de Naucor aqui demarca esta sentença como sendo derivada do inglês. Segundo, até onde eu lembre, o caso locativo sempre indica “at” ou “on” (até na tradução de Tolkien, onde a língua inglesa utilizaria “in”, o sentido não é “inside”, mas “upon”: e.g. súmaryasse “in her (the ship’s) bosom” [“em seu (do navio) seio”] não significa inside, mas on;¹ enquanto ear-kelumessen não significa inside, i.e. immersed in the sea, mas sim upon). Ao invés disso, “inside” e “within” são sempre expressos com preposições, geralmente com mi.² Este é o sentido aqui, e então por isto apenas esta tradução é reconhecível como um Quenya provavelmente incorreto. (Eu gostaria também de perguntar por que hir- deveria formar seu pretérito com -ne, e não com um pretérito forte (*híre)? KHIR- parece ser um verbo básico. Além disso, por que não tuv-, que em seu uso atestado parece ser mais próximo em significado do que o uso atestado de hir-?

¹ Note que esta expressão vem provavelmente de Beowulf, linha 35: “on bearm scipes, onde a expressão literal“on (the) bosom of (the) ship”. Até hoje, embora o idioma inglês necessite de “in one’s bosom”, quando nós dizemos isto não necessariamente queremos dar o sentido de dentro do seio de alguém, ou todos os bebês “in its mother’s bosom” estariam fisicamente dentro do tórax da mãe!

² Um possível contra-exemplo, símaryassen “in their imaginations” [port. “em suas imaginações”] notavelmente se refere a uma entidade não-física, não à localização física, e então apesar do fato que o idioma inglês requer “in” para soar natural, isto não indica necessariamente que o idioma élfico tinha a mesma interioridade física que o inglês; pode ser literalmente passada como “(up)on” their imaginations. Note o inglês “on my mind” do que está ocupando (residindo dentro [ou seja, “in”] dos pensamentos de alguém.

Cenuval nér nóra i taurello i ostonna “You will see a man run from the forest to the city”. Eu noto que com exceção da primeira pessoa do singular -n, não há excemplos de desinências pronominais curtas no final de verbos no futuro (ao invés disso nós temos -lye, -nte); então cenuval aqui se mostra possivelmente incorreto.

“Sistema Pronominal do Quenya” atualizado na Parma Tyelpelassiva

O estudioso alemão Thorsten Renk revisou seu artigo sobre o sistema pronominal do Quenya, que pode ser acessado clicando aqui, no site Parma Tyelpelassiva.

O artigo é excelente. Ele permite ao leitor uma visão cronológica dos sistemas pronominais elaborados no Early Quenya Grammar, no Parma Eldalamberon 17, e também no Vinyar Tengwar 49, analisando quais escolhas estilísticas de Tolkien mantiveram-se firmes e fortes ao longo da evolução externa do Quenya.

Não é meu desejo traduzir artigos do Thorsten, porque esta não é minha área, e também porque a Ardalambion Brasil já tem permissão para traduzí-los, tornando desnecessário o trabalho duplicado. Mas se eu tivesse de escolher um artigo para traduzir, seria esse.

As revisões do Thorsten vêm refletindo uma mudança no tom do seu site. Ele é escritor do famoso curso de Sindarin Pedin Edhellen (publicado aqui no Brasil pela Arte & Letra), e dos não-tão-famosos curso de Quenya Quetin i lambë eldaiva e o curso de Adûnaico Ni-bitha Adûnâyê, onde ele expõe as versões “normalizadas” dessas línguas, criadas especialmente para os compositores neo-élficos. Esses cursos estão disponíveis no site dele. Já os artigos dele visam a análise dos textos de Tolkien de forma cronológica, e sem sugestões de padronização. Isto não era assim há uns 2 anos atrás, quando os artigos dele eram quase apêndices ao curso, voltados apenas à composição neo-élfica.

Palavras em Quenya do PE17

O finlandês Petri Tikka compilou todas as palavras encontradas no Parma Eldalamberon 17 em seu website, com comentários sobre cada uma das formas:

Eu venho agrupando [a lista] para a lista de palavras Quenya-Inglês do Helge Fauskanger (Quettaparma Quenyallo) desde o final do ano passado. Eu agora cheguei à página 160 (30 páginas para o final), então decidi publicar o que eu fiz até agora. Eu terminarei a lista logo com alguma sorte, e a polirei para um estado melhor. Minha intenção foi incluir todas as palavras ainda não publicadas do Quenya no jornal, assim como os novos significados de velhas palavras. Em situações onde ambos sentido e forma de palavra são atestados em uma fonte anterior, eu lamentavelmente não fui consistente na inclusão das referências. Esta lista tem o intuito de ser uma referência não lapidada, e como um auxílio aos entusiastas do Neo-Quenya. Para contexto e análise detalhada, sempre leia a fonte original.

Leia aqui a lista do Petri!

Vinícius, Derick, Gisele, Morgana, Aquila

Mais algumas traduções de nomes:

  • Vinícius: Seu nome vem do lat. vinum “vinho”. Em Q. Limpo, em S. Gwîn. Acho que ambos os nomes servem bem por si só como nomes masculinos.
  • Derick: Esse nome vem de Teodoro, ou em ing. Theodoric. Contém os elementos theod “povo” (você deve lembrar do nome Théoden, né?) e *rik “governante”. Eu traduzi para Q. Lietar e S. Gwaithar.
  • Gisele: vem do germ. gisel “refém, súplica”. Eu pesquisei, pesquisei, e não encontrei uma boa tradução (não existe a palavra “ajuda” em élfico!)
  • Morgana: Provavelmente é a versão feminina de Morgan. Vem do galês antigo Morcant, com elementos mor “mara” e cant “círculo”. Em Q. Earrindë, em S. Aearrinnel.
  • Aquila: é o latim para “águia”. Q. Soron ou Soronto, S. Thoron.

História externa do kw > p

Para quem não sabe, um dos desenvolvimentos mais característicos do Sindarin e de todas as línguas do ramo Telerin vs. o Quenya é a transição de kw >p, que ocorreu durante a Grande Marcha. Isto fica claro nas Etimologias:

*alk-wâ “cisne”: Q alq[u]a; T alpa; ON alpha; N alf (V:348).

[“N” aqui é Noldorin, que depois foi renomeado para Sindarin por Tolkien durante o desenvolvimento d’O Senhor dos Anéis. – N.T.]

O estudioso Helios de Rosário Martinez, contudo, notou uma coisa interessante. Neste momento conceitual, o Noldorin foi inventado, claro, pelos Noldor, que não são membros da Casa dos Teleri. Por que, portanto, esse desenvolvimento era visto tanto no Telerin quanto no Noldorin?

[L]ínguas que realmente descendiam do Telerin, como o Ilkorin ou o Doriathrin (veja a árvore das línguas em V:169–170, 196–7) mantiveram o kw original. No exemplo acima nós encontramos o Ilk. alch e o [Dor.] ealc (onde o kw foi transformado por conta de sua posição final). E há exemplos ainda mais claros nas entradas começando com KW- (V:366):

  • Ilk. côm “doença” (< *cwâm) como o Q. qáme, mas não como o N. paw, de KWAM-.
  • Ilk. cwess “travesseiro”, como o Q. qesset, mas não como o N. pesseg, de KWES-.
  • Dor. cwindor “narrador”, de kwentrô (KWET-) e como o Q. qentaro, mas não como o N. pethron.

Portanto, eu diria que o “Telerin” representado nas Etimologias não deve ser considerado como o ancestral comum do Telerin Valinóreano e das línguas de Beleriand, mas sim especificamente o Telerin de Valinor, e a mudança de kw > p foi desenvolvida após sua partida de Beleriand. [Grifo do tradutor.] A coincidência com o Noldorin neste aspecto seria explicada pela aproximação do Noldorin e do Telerin (Valinóreano) mencionado no Lhammas: “[O diálogo dos Noldor em Valinor] era na verdade com os Teleri das praias vizinhas do que com os Lindar [em 1937 Lindar “cantores” era o nome dos Vanyar – N.T.], e as línguas dos Teleri e dos Noldor tornaram-se um tanto semelhantes novamente naquela época” (V:173)

Helios menciona no fim de sua mensagem que é provável que nessa época a mudança do kw > p tenha ocorrido primeiro no Noldorin antigo (ing. Old Noldorin) e então copiado pelos Teleri, considerando que a engenhosidade Noldorin para as línguas era mais notável.