Assistindo O Discurso do Rei, eu lembrei dos meus próprios problemas de fala. Para quem não me conhece pessoalmente, eu falo com um chiado “lulesco”, eu gaguejo ocasionalmente, as palavras costumam fugir da minha mente com facilidade e eu tendo a alternar entre um tom muito baixo e um tom muito alto. Equilíbrio na fala não é meu forte.
Vai fazer 7 anos agora, no início de março, que eu fiz minha primeira palestra. Em fevereiro de 2004, eu fui convidado com duas semanas de antecedência a fazer uma palestra sobre a vida do autor J.R.R. Tolkien promovida na Livraria Cultura de Porto Alegre e eu recusei, pois eu não pensava ter conhecimento suficiente para fazê-la: como alguém que nem leu a biografia do autor poderia falar com propriedade sobre o assunto? E mesmo se eu tivesse lido, como seria possível eu me preparar em apenas duas semanas? Diante da minha recusa, a tarefa caiu sobre o colo de um amigo meu.
Quando chegou o dia da palestra, sentei na plateia e assisti ao meu amigo dizer absolutamente tudo que eu já sabia, e talvez menos. Esse era um amigo com conhecimento vasto de medievalismo, cursando Direito, infinitamente mais rápido para pensamento e fala do que eu. Mas neste assunto, por mais que eu quisesse me convencer do contrário através de todos os truques mentais que a minha baixa autoestima pudesse inventar, eu tinha mais conhecimento. E eu deveria estar naquele palco. Na saída me perguntaram se eu gostaria de fazer uma palestra em março, e eu aceitei.
Eu escolhi um assunto que me parecia “interessante, embora trivial”: evolução das línguas élficas. Um assunto que eu poderia cobrir em “mais ou menos uma hora”. Me preparei o melhor que pude. Criei slides. No dia, saí mais cedo do trabalho. Preparei minhas anotações, testei os slides e aguardei as pessoas entrarem no salão. Fui apresentado e comecei a palestra, passados alguns minutos das 19hs.
Não demorou muito para eu perceber duas coisas: a primeira é que a minha mão direita tremia, mas minha esquerda não; a segunda é que olhar para o cabelo das pessoas é bem mais confortável do que olhar para os olhos delas. Ao longo da palestra eu ganhei confiança. Até demais. E é aí que o perigo mora.
Ao chegar na hora de explicar a pronúncia do <G>, eu falei: “No élfico, o som do <G> é como na palavra ‘gato’, nunca como na palavra ‘geito’.”
E todos na plateia congelaram e olharam para a pessoa ao lado com espanto.
Eu parei. Pensei no que eu tinha falado. Acabou de ocorrer o que eu mais temia no mundo, que eu cometesse uma gafe tão absurda que a falsidade do meu expertize fosse descoberta e as pessoas fugissem, indignadas, do auditório. Que uma fenda se abrisse sob meus pés e me engolisse no momento em que eu dissesse algo incoerente ou estúpido.
Ninguém fugiu. Ninguém se indignou. Nenhuma fenda se abriu.
Eu olhei para o teto, cocei meu queixo com a outra mão e disse de forma sarcástica “Err, espera um minuto…” E todos riram. E eu ri. E o resto da palestra foi tranquilo.
De fato, a palestra foi tão longa, mas tão longa, que eventualmente minha mãe, da plateia, levantou uma placa dizendo apenas “20:45”. Em 15 minutos aquelas pessoas estariam sentadas na minha frente por duas horas, escutando pacientemente (algumas, talvez, com interesse!) sobre o assunto que eu abordava. Era hora de finalizar a palestra. Terminei o resto em 5 minutos e abri um período para perguntas. A primeira pergunta foi de uma menina demonstrando um certo espanto no rosto: “Onde você aprendeu tudo isso?”
Como a maior parte das coisas boas na vida, eu percebo elas só depois de muito tempo. Essa pergunta, do jeito que foi feita, na ocasião em que foi feita, talvez tenha contribuído mais para a minha confiança do que muito do que eu tenha feito ou dito. Eu saí de lá muito feliz comigo mesmo e pronto para fazer mais uma palestra no outro dia, se alguém me pedisse.
Originalmente publicado no meu blog pessoal.