Por Bill Welden
Texto de Tolkien ©2001 The Tolkien Trust
Publicado originalmente no jornal Vinyar Tengwar 42, pp. 32–4.
Traduzido com permissão do autor, do editor e da Tolkien Trust.
“Q. lá ‘sim’” – J.R.R. Tolkien, lista de vocabulário não-publicada, c. 1960 d.C.
“Q. lá ‘não’” – J.R.R. Tolkien, ensaio tardio não-publicado, c. 1970 d.C.
“Não peça conselhos aos elfos, pois eles dirão ao mesmo tempo não e sim” – Frodo Bolseiro, 3018 T.E.
As versões iniciais das línguas élficas tinham duas raízes distintas para a negação. Sua função distintiva é mais bem descrita no “Gnomish Lexicon” (LNG:50):
(1) il- (ul-) denota o oposto, o reverso, i.e. mais que a mera negação.
(2) u- (uv-, um-, un-) denota mera negação.
Tolkien não estava completamente satisfeito com qualquer uma dessas raízes, embora por diferentes razões. Com a raiz em √l, melhor representada pela palavra tardia lá, o problema era com o excesso de palavras aparentemente relacionadas, mas semanticamente distantes. Tolkien escreveu possivelmente logo após a publicação de O Senhor dos Anéis:
* Apague √ba(n) “ir”. (Para este sentido Quenya, o radical Sindarin é √men.)
** Apague √al / la “não”. Muito inadequado, al, la já têm muito o que fazer.Substitua: Negação. Negação do Eldarin primitivo se dividia em: 1) recusa e comando negativo (futuro); e 2) negação de fato (passado e presente estabelecido).
1) √aba, ba – distinto de awa, wa “distante”
2) √u, ?ugu – originalmente expressando privação
Entre as coisas que al, la tinham “muito o que fazer” estavam os vários derivativos das bases em GAL-, como em alta “luminosidade”, alya “próspero” e alasse “alegria”. Além disso, lá “além” foi usada em comparação, como em “A (ná) kalima lá B, ‘A é brilhante além de B’ = ‘A é mais brilhante que B'”, de um ensaio não-publicado sobre comparação (outra palavra usada nesse papel em um momento diferente foi epe “após”).
Tendo decidido isso, Tolkien podia agora usar al, la, etc. para funções mais próximas em significado ao grupo positivo de “luminosidade”, “próspero”, “alegria”, etc. e a seguinte entrada aparece em uma lista de raízes e derivativos datada de dezembro de 1959:
√la interjeição de prazer/assentimento. Portanto Q. lá “sim”, possivelmente relacionado com √ala “bom”.
Esse sistema, onde as raízes negativas eram apenas √aba e √ū, persistiu por muitos anos. Então, em um ensaio muito tardio (dos últimos anos de sua vida), Tolkien revisitou essa questão:
û não servirá. Não é necessário evitar a todo custo similaridades com línguas européias conhecidas — o Eldarin foi deliberadamente desenvolvido para ser similar a elas em estilo — mas aqui a semelhança tanto com o grego ου (fon. û) ou com o não-relacionado nórdico ú, como um prefixo, é muito próxima.
ú deve permanecer, mas com o sentido de “mau, desconfortável, difícil” – similar ao IE *dus, grego dus-, germânico tuz- (tor-). Isso deixa únótima no Lamento de Galadriel correto, com o sentido de “difícil/impossível de contar” […] Mas úchebin no linnod de Gilraen não se encaixará tão bem. Deve-se presumir que o Sindarin ú era usado como um prefixo verbal e também como adjetivo, com o significado intensificado a “impossível” para que se aproximasse de uma negação. A nuance permanecerá importante. úchebin não significará “eu não guardo”, mas “eu não posso guardar”.
A solução foi reintroduzir vala como uma raiz negativa:
A alternativa sugerida lá, la, ala seria conveniente, e o fato que ela aparece no semítico não seria uma objeção. Adoto isto […] ala como um prefixo, reduzido para al- antes de uma vogal, ou por síncope quando houver contato do l com uma consoante posterior apropriada; lá como negação enfatizada “não”, e la não-enfatizada. A última também era usada como prefixo negativo antes de alguns adjetivos verbais […]
Essa raiz não deve formar um verbo negativo ou receber afixos pronominais, a não ser que o verbo não seja expresso. Nesse caso lanye e outras formas verbalizadas similares tornam-se equivalentes ao inglês “I don’t” ou “I’m not“, etc. […] Nota: o lá não expressa diferença entre tempos verbais, normalmente desnecessários: o tempo de lá mais um afixo pronominal é sempre aquele do verbo anterior, agora negativado.
Um rascunho prévio desse ensaio fornece vários exemplos interessantes:
la navin karitalya(s) mára “eu não lhe aconselho que você faça isso”, literalmente “eu não julgo ser bom você fazê-lo [ing. I don’t judge your doing (it) good]”. lakare “não-fazer, inação” (geral). Não fazer nada em um caso específico não é expresso por um prefixo, já que a negação normalmente é enfatizada; portanto lá karita i hamil mára alasaila (ná) “não fazer (neste caso) o que você julga bom (seria) insensato [N.T. não-sábio]”. O Quenya não precisa de verbo antes de alasaila, mas pode adicionar ná “é”1. O inglês normalmente diz “would be” porque a expressão toda é equivalente a “if you think this action right, it would be unwise not to take it [N.T. se você pensa que esta ação é certa, seria insensato não executá-la]” e porque é claramente um conselho que se tornará uma ação, ou não, no futuro. Se essa incerteza for enfatizada, o Quenya poderá dizer nauva “será”. Incerteza no conselho deve ser expressa de outra forma em inglês e Quenya: “not doing this would be (I think) unwise [N.T. não fazer isto seria (eu acho) insensato]”, ou “not doing this may be/prove unwise [N.T. não fazer isto pode ser/mostrar-se insensato]”; lá karitas, navin, alasaila na ou lá karitas alasaila ké nauva. […]2
Note que, embora um derivativo verbal, tais formações como lakare são substantivos e não “infinitivos”; elas não podem reger um objeto mais do que a palavra inglesa “inação”. Para expressar o conselho em termos “aoristos” gerais deve-se usar o negativo separado: alasaila ná lá kare tai mo nave (ou navilwe) mára “é insensato não fazer o que alguém julga (ou nós julguemos) bom”.3
Essas mudanças exibem um padrão comum no desenvolvimento do Quenya por Tolkien. Ele identificava uma área com a qual estava insatisfeito e então elaborava uma ou mais soluções detalhadamente, freqüentemente em um registro de autoridade; embora o conceito completo pudesse ser rejeitado na página seguinte.
Na verdade, as línguas élficas estavam continuamente em fluxo enquanto Tolkien tentava uma abordagem atrás da outra para solucionar as dúzias de problemas que elas apresentavam. É possível imaginar que, como seu alter-ego Cisco, Tolkien achava suas línguas sempre tanto “completamente insatisfatórias e, ainda assim, muito adoráveis”; sempre prendendo sua atenção, porém sempre inacabadas. Assim, a questão sobre se uma palavra ou construção gramatical era “Quenya correto” torna-se, paradoxalmente, mais incerta quanto mais aprendemos sobre como Tolkien trabalhava.
Os elfos, é claro, têm a resposta; mas como agora sabemos, elas podem ser bem concisas e ainda dizer tanto “sim” quanto “não”.
1 A palavra original para “julgar” em todos esses exemplos era neme, corrigida para hame e finalmente para nave em todos os casos exceto este. Uma nota marginal fornece √ndab“julgar”.
2 A palavra ke é uma partícula que indica incerteza. Em outro lugar neste documento ela foi corrigida para “kwí (ou kwíta)”.
3 No final da página Tolkien adicionou “mo pronome pessoal indefinido ‘alguém’ ; ma pronome pessoal neutro ‘algo, uma coisa'”.
Nota do tradutor: Gostaria de deixar um agradecimento especial ao Gabriel Brum pela revisão.