Arquivo da tag: verbo

O misterioso pretérito de lanta-

Por Thorsten Renk — mensagem original na lista Elfling.

Parcialmente para responder a uma discussão com Didier [Willis] sobre por que eu não torno públicas todas as minhas razões para selecionar uma forma em particular sobre outra, eu decidi escrever um estudo de caso aqui, que talvez ilustre que se eu fosse fazer isso em todos os casos, primeiro o curso seria basicamente notas de rodapé, e segundo que o tempo de preparação cresceria pela décima potência ou mais.

A questão apresentada é: Como o pretérito de lanta- “cair” deve ser apresentado? Continue lendo O misterioso pretérito de lanta-

Ordem das palavras em Quenya

Uma informação que estava perdida na minha lista de coisas a postar: como ordenar as palavras de uma frase comum em Quenya?

Helge Fauskanger há um mês atrás citou Tolkien em PE17:72:

[A] ordem normal em Quenya foi verbo primeiro, sujeito, objeto direto, objeto indireto […] mas a ordem clássica e normal [tardia] era expressada em sujeito, verbo, objeto.

Traduzindo:

  • Antes era: Verbo, sujeito, objeto direto, objeto indireto (e.g. Túve nauco malta araneryan. “Encontrou o/um anão ouro para seu rei”)
  • Depois virou: Sujeito, verbo, objeto (e.g. Nauco túve malta araneryan.)

Lembrando sempre que, sendo o PE17:72 anotações da década de 1950, não temos certeza se esse conceito continuou firme até 1973. Só uma análise dos textos criados por Tolkien no Quenya tardio poderia elucidar isto (e só para deixar as coisas mais “simples”, a maior parte desses textos é poesia).

Raízes consonantais em -r

O estudioso norueguês Helge Fauskanger traz uma teoria interessante sobre o pretérito de raízes que terminam em -r:

PE17:168 permite um novo insight em uma das classes de verbos.

Tolkien lista alí a raiz SRIS, significando “neve”, da qual o presente hríza “está nevando” deriva (Quenya exílico *hríra). Então ele dá o pretérito como hrinse, ou o mais tardio hrisse (o editor não tem muita certeza sobre essa última forma, mas ela faz sentido fonologicamente).

Isto tem suas implicações para o verbo hlar- “ouvir”, que supostamente vem da raiz SLAS. Eu anteriormente presumi que o pretérito seria simplesmente hlazne > hlarne, e esta é a forma que o primitivo *slasne resultaria em Quenya […] Mas se os verbos primários terminando no S original recebessem a infixação nasal antes desse “S”, ao invés de receber a desinência fraca simples ne depois dele, a combinação resultante ns produziria o Quenya ss. […]

Talvez nós devamos distingüir três subgrupos de raízes consonantais em -r:

  1. Aquelas onde o R era original: car- “fazer” da raiz KAR, tir- “observar” de TIR e assim por diante. Aqui o pretérito parece ser formado simplesmente ao adicionar -ne (relativamente bem atestado: carne “fez”, merne “desejou”, querne “virou”, tarne “pôs-se de pé” tirne “observou”, turne “controlou”).
  2. Aquelas onde o R vem do D original (via Z), onde a consoante original é preservada seguindo o infixo nasal no pretérito: rer- “colher”, pret. rende porque a raiz é RED (Etymologies), yor- “confinar”, pret. yonde porque a raiz é YOD (PE17:43). Presumivelmente os verbos hyar- “rachar”, nir- “pressionar” e ser- “descansar” também pertemcem a esta classe (raízes SYAD, NID, SED), embora Tolkien não tenha mencionado suas formas no pretérito.
  3. Aqueles onde o R vem do S original (novamente via Z). Estes seriam *hrir- “neve” (apenas atestada na forma arcaica *hirz-), pret. hrisse para *srinse, e então talvez também hlar- “ouvir”, pret. hlasse (para *slanse).

O alemão Thorsten Renk sugere que sejam contabilizados os exemplos com alongamento de vogal:

  • #ohtakar- “fazer guerra” pret. ohtakáre (SD:246)
  • yor- “confinar” pret. yóre (PE17:43)

O fato que ambos †yonde e yóre são dados como pretéritos em PE17:43, e que yonde é marcado como “poético ou arcaico” é interessante, porque aponta para que yóre seja o pretérito por analogia — mas analogia com o quê? Alguém poderia imaginar que há um grande número de exemplos de verbos em -r para os quais o alongamento das vogais era normal — possivelmente os cuja raiz já possuía -r. E isto vai perfeitamente de encontro ao pretérito cáre (PE17 tem mais alguns outros pretéritos com alongamento de vogal na raiz, mas nesta fonte em particular Tolkien cita o pretérito como carne (PE17:144). Contudo, ambos podem ter coexistido).

Helge replicou hoje ao e-mail de Thorsten:

Essa maneira de formar o pretérito […] foi atestada primeiramente em unduláve no Namárië. […] Eu tradicionalmente presumi que seu papel no Quenya do estilo do SdA era bem limitado, mas há realmente evidências se acumulando de que ela ainda era proeminente, e eu venho revisando meus conteúdos de acordo.

Alguns exemplos citados por Helge durante seu e-mail foram:

  • tul- “vir”, pret. túle (sem fonte, mas ao dizer que era antiga eu imagino o Qenya Lexicon);
  • mel- “amar”, pret. méle (QL:60);
  • mol- “trabalhar”, pret. móle (PE17:115);
  • yam- “gritar”, pret. yáme (QL:105);
  • sam- “ter”, pret. sáme (PE17:173).

Resumo do Curso de Quenya: Lição 18

Pronomes Independentes

No Quenya, os pronomes podem aparecer como palavras independentes, além das desinências já vistas. Uma lista completa das desinências e das suas respectivas formas independentes pode ser encontrada neste link.

É importante lembrar ao aluno que esses pronomes independentes podem receber desinências casuais. Por exemplo: ni “eu” + -n (dativo) = nin para mim.

Verbos Impessoais

É melhor citar completo do sumário do livro (p. 323):

Alguns verbos do quenya são impessoais, não exigindo sujeito, mas quando alguém é, no entanto, afetado pela ação verbal, esse alguém pode ser mencionado como uma forma dativa: ora nin = “[isto] impele para mim” = “sinto-me instigado [a fazer algo]”.

E a explicação (p. 314):

Sentir-se instigado a fazer algo não é um “ato” deliberado realizado por um sujeito; esse sentimento, ao invés disso, afeta a pessoa envolvida, e em quenya isso é indicado apropriadamente pelo caso dativo.

Caso não tenha ficado claro o suficiente, por favor deixem um comentário.

Verbos Radicais U

Temos certeza de que o particípio ativo (presente) é formado adicionando -la e alongando a vogal raiz, se isto for possível. Talvez o pretérito seja formado com -në.

Os vários usos de

Por enquanto usem “sim” (VT49:28) e “não” (VT42:33, VT49:15).

Estou tentando negociar com o Carl Hostetter a Tolkien Estate (o Hostetter e o Bill Welden já me deram a permissão da parte deles) se poderei obter permissão para uma tradução do artigo Negação em Quenya, publicado no jornal Vinyar Tengwar nº 42, pp. 32–4. Basicamente, o autor Helge Fauskanger pegou várias partes daquele artigo como informação para fazer esta parte da lição (inclusive a comparação A ná kalima lá B), então tendo uma visão mais completa do material será possível que vocês mesmos decidam o que usarão ou não.

A esta altura do curso, é importante já começar a ler o material lingüístico tolkieniano de forma crítica. Em 1959 (ou seja, pós-SdA), era “sim”. Só por volta de 1970 (aproximadamente 10 anos!) Tolkien se decidiu utilizar para “não”, apenas porque ele não gostava da similaridade do û das línguas élficas com o û das línguas européias (citando o grego e o nórdico como exemplos).

Agora deixem-me perguntar uma coisa meus amigos: Tolkien também teve a idéia de “limpar a ficha” da Galadriel, isentando-a de toda culpa e de participação na Fuga dos Noldor, inventando uma história sem pé nem cabeça de ela sair com Celeborn de Aman antes do Fatricídio (no Contos Inacabados). Isto foi por volta de 1970 também, mas ninguém considera essa idéia como canônica, apesar de ser a mais recente escrita por Tolkien. A pergunta é: por que “não” deveria ser canônico também, seguindo o mesmo raciocínio? Não seria “sim” o significado mais plausível, quando comparados os motivos para a atribuição desse significado à palavra em 1959?

Vocês saberão se eu puder traduzir o texto.

Resumo do Curso de Quenya: Lição 14

Os Casos Alativo e Ablativo

A melhor maneira de lembrar da função desses dois é com a frase clássica de Elendil: Et Eärello Endorenna utúlien. Nessa frase o ablativo é utilizado dizendo de onde Elendil veio (Eärello “do Grande Mar”, ablativo) e onde ele chegou (Endorenna “para a Terra-média”, alativo). Lembrando então:

  • Alativo: “na direção de, contra” e, em algumas situações, pode significar “em, sobre, para dentro de”;
  • Ablativo: “proveniente de”, mas também pode significar “fora de” em algumas situações (ver CdQ:235-6).

Com substantivos que terminam em consoante, o Curso explica muito bem:

Se um substantivo que termine em uma consoante for receber a desinência casual para alativo ou ablativo, uma vogal de ligação (no singular -e-, no plural -i-) poderá ser inserida antes da desinência casual para evitar um encontro consonantal impossível; [caso a consoante possa sofrer uma síncope, como n], uma forma contraída é usada (ex: Rómello “do leste”, para Rómen-llo).

Equë e Auta

Quando citando uma pessoa, utiliza-se o v. equë, seguido do nome da pessoa citada e o que ela disse. Exemplo:

Equë Telcontar: “Yé! Utúvienyes!”
Diz/disse Passolargo: “Sim! Eu a encontrei!”

De outra forma, utiliza-se o verbo quet-. Exemplo:

“Yé! Utúvienyes!”, Telcontar quentë.
“Sim! Eu a encontrei!”, disse Telcontar.

Auta- significa “passar” ou “ir embora, deixar (o ponto do pensamento do falante). O verbo possui dois grupos de pretérito e perfeito com formas e significados distintos:

  • pret. oantë, perf. oantië: sentido físico de “ir embora”;
  • pret. vánë, perf. avánië: “desapareceu, passou”.

É possível encontrar informações mais completas na p. 240-1 do CdQ.

Vinyar Tengwar 49: “Usual”, “Lugar de Descanso”, mais sobre “antes” vs. “depois”

Na lista Lambengolmor, o membro Fredrik Ström, da Suécia, discute na mensagem 1011 uma forma interessante que aparece em VT49:22: o adj. senya “usual”.

Ele nota que o editor menciona sen- “deixar livre, libertar, deixar ir” como uma possível palavra relacionada, mas Fredrik imagina uma outra conexão: senda “descansando, em paz”, da raiz SED. Se houver tal conexão, senya poderia ter se desenvolvido nessa raiz por ser “o estado de algo que não é perturbado: o estado ao qual algo retorna quando deixado em paz”, diz Fredrik. Em uma nota editorial no e-mail, Patrick Wynne — o autor do artigo no VT49 — diz que um dos membros do painel de revisão mencionou tal conexão, e que ele sente que deveria ter mencionado a possibilidade de senya vir de SED.

Fredrik tenta fazer uma conexão de senya com sennui na King’s Letter com a qual Patrick não concorda, mas no meio do raciocínio ele nota em A Reader’s Companion p. 523 o nome Sennas Iaur “Velha Casa de Hóspedes”, que pode vir da raiz SED. Fredrik arrisca uma reconstrução em Quenya *sendassë, com o sentido de “lugar-de-descanso” (ing. resting-place) que Patrick achou “bem provável”.

Fredrik menciona a questão do “antes” vs. “depois” em élfico. Notando que epe é “antes” (espacialmente) ou “depois” (temporalmente) como apresentado em VT49:12, ele lembra de apa que aparece “antes, no tempo” e “após, (depois de)” em VT44:36. No ensaio “Quendi and Eldar (XI:387), há o Q. apanónar ‘pós-nascidos’ perto do S. aphad- ‘seguir’ ap-pata ‘andar atrás, em uma trilha ou caminho’.”

A parte interessante? Se a semântica for a mesma em Quenya e Sindarin, e também apa/epe sejam apenas variantes de uma raiz, em um momento “seguir” significaria “estar atrás”, enquanto em outro estágio do desenvolvimento externo significaria “estar à frente”! Isso é explicado por Patrick: para que você possa seguir alguém, você precisa estar fisicamente atrás de alguém, enquanto temporalmente à frente desse alguém.

A maneira que a mente de Tolkien funcionava era muito interessante. (Sem sarcasmo.)

Vinyar Tengwar 49: Verbo “casar”

Há dois dias atrás mencionei a frase volitiva nai elen atta siluvat aurenna veryanwesto. Nessa frase aparece um verbo intransitivo verya- “casar”. Segundo Fauskanger, “aquele com quem você se casa aparece no caso alativo, não como um objeto direto: ver o inglês ‘get married TO somebody'”.

Outra novidade interessante é que o pretérito deste verbo é veryanë, o que contraria a teoria de Fauskanger no Curso de Quenya, como ele mesmo admite. Ele lista os exemplos anteriores de verbos em -ya com formas atestadas no pretérito:

  • farya- > farnë;
  • lelya- > lendë;
  • ulya- > ulyanë quando transitivo; ullë quando intransitivo.

Portanto, a página 45 nos trás uma boa e uma má notícia: a boa é que temos um verbo “casar”; a má é que o nosso sistema estipulado para os pretéritos de verbos em -ya demonstra deficiências.

Minha opinião: continuem utilizando o sistema do Curso de Quenya, exceto em verya-.

Vinyar Tengwar 49: “existirá”, “poder (fazer)”

Vocês não adoram todas essas novidades que o Vinyar Tengwar 49 nos trouxe? Hoje mais duas informações sobre verbos importantes.

A primeira é sobre o verbo ea- “existir”. O futuro desse verbo é euva.

A segunda é um verbo novo na área, ek- (ec-) “estar aberto”; esse verbo pode ser utilizado para expressar a capacidade de fazer algo com a seguinte fórmula:

Ek- + dativo: Eke nin kare sa. “Eu posso fazer isto” (p. 34); literalmente “está aberto para mim fazer isso”.

Vinyar Tengwar 49: O verbo “acreditar” e “ser/estar”

Temos na página 27 do Vinyar Tengwar 49 uma interessante frase: Savin Elessar ar i nánë aran Ondórëo “Eu acredito que Elessar realmente existiu e que ele era um rei de Gondor”.

Savin “eu creio/acredito” é uma grande novidade! Um verbo sav- “acreditar” era necessário, mas ele tem um “modo de usar” que precisa ser levado em conta: “O Q[uenya] savin quando possui um substantivo ou nome ou pronome como objeto direto significa ‘eu acredito que ele/ela/isto realmente existe/existia’.” Palavras do próprio Tolkien.

Outra importante informação trazida por essa frase e outras que aparecem nas páginas 27-31 são as formas do verbo na- “ser/estar”. O pretérito que os escritores de neo-Quenya freqüentemente utilizavam, , foi confirmado, mas nánë parece ser válido (ou ao menos um experimento de Tolkien).

Para deixar o cenário todo mais rico, na p. 28 aparecem dois exemplos do verbo “ser/estar” no pretérito com desinências pronominais: anen “eu fui/estive” e anel “tu foste/estiveste”. A partir desses exemplos é possível criar *anes(ë), *anelwë/*anelvë, *anelmë, *aneldë e *aneltë.

Infelizmente, na nova revisão do seu artigo sobre Quenya, Helge Fauskanger decidiu nivelar por baixo: lista nenyë e nelyë como possibilidades, embora essas formas não sejam atestadas em qualquer lugar do texto. Eu sugiro seguir os exemplos de Tolkien, mas não se espantem se essas formas sugeridas apareçam em uma próxima revisão do Curso de Quenya.

Deixando o pretérito um pouco de lado, aparentemente Tolkien considerou uma forma aorista do verbo “ser/estar”, mas pelo que foi dito até agora me parece que essa forma nunca chegou a ser realmente utilizada. Se for, pelos indicativos ela seria naë. Divagando sobre o assunto, David Salo chegou à uma conclusão interessante e que poderia nos ser muito útil: a forma aorista do verbo na- poderia ser o equivalente ao verbo espanhol (e português) “ser”, enquanto a forma do tempo presente () poderia ser o equivalente ao verbo “estar”. Ah! lembrem que naë vira nai- quando adicionada uma desinência pronominal, como nain “eu sou”!

Por fim, temos atestado anaië para o tempo perfeito do verbo “ser/estar”.

Vinyar Tengwar 49: “então/portanto”, “chegar”, “matar”, e uma alternativa ao caso instrumental

Continuando a série de novidades trazidas pelo Vinyar Tengwar 49, na página 18 Patrick Wynne interpreta a palavra sin da frase Sin Quente Quendingoldo Elendilenna como o inglês thus, que em português poderia ser “então, portanto”.

Agora temos um verbo “chegar”: é †tenya-, sendo o pretérito tennë, na página 23 24. Segundo o Helge Fauskanger, da Ardalambion, este deve ser o primeiro exemplo de um pretérito de verbo primário em -n.

Na página 24 encontramos a frase nahtana ló Túrin “morto por Túrin”. Duas coisas interessantes:

  1. Nahta- é o verbo “matar”, no inglês to slay. O Helge se pergunta se Morinehtardarkness-slayer” em PM:384-85 é na verdade MorinAhtar;
  2. parece ser “uma partícula introduzindo o agente em uma construção passiva”, segundo Helge. Talvez possa substituir o caso instrumental, ele diz.