Felizmente, quando eu criei este site, a exatos 5 anos atrás, eu o fiz a prova de donos relapsos. 🙂
Eu agradeço a todas as pessoas que tornam a visitar o site, e todos aqueles rostos novos que aparecem diariamente também. Um deles é o Peter, que me enviou um e-mail:
Eu estava querendo muito “aprender” Quenya ou Sindarin mas li seu tópico que não é possível se comunicar com as pessoas nem nada. Poxa tenho que dizer que isso me desanimo um pouco, enquanto lia os livros me imaginava no local conversando com eles em Quenya, isso sempre me animou. Tenho um colega que sabe rúnico o que é bem diferente e até dá para fazer muita coisa, mas meu objetivo era o elfico. Você acha que realmente compensa? Dá para fazer algo com o Quenya ou Sindarin, ou somente frases com as palavras que existem? Gostaria de uma reposta sua muito obrigado =D.
Peter, cada minuto que eu investi valeu a pena. Não pelo que eu realmente utilizei das línguas, mas pelo que elas me permitiram pensar sobre o aprendizado e o uso das línguas em si, sobre o prazer de utilizar palavras de novas maneiras e pensar sobre elas de uma forma metódica e filosófica. É sim possível criar novas palavras e novos textos élficos. É possível manter uma conversa básica em élfico. Mas essa não é a “moral” das línguas élficas.
Tolkien criou essas línguas para mostrar como ele achava que uma língua deveria ser para ter a estética fonética que ele procurava. É como se fosse um estilista desenhando roupas experimentais, que nunca vão ser utilizadas na rua, mas que fazem o que ele quer: tem a cor, o brilho, o movimento e os detalhes que ele gostaria de ver em uma peça, embora talvez seja impossível um homem ou uma mulher se sentir confortáveis (ou respeitáveis) vestindo elas.
Para usar uma analogia mais máscula automobilística, as línguas élficas são como carros conceito. Carros conceito não foram feitos para andar na rua: eles foram feitos para inspirar uma nova linha de pensamento sobre a construção de carros e quais funcionalidades eles deveriam ter. Por exemplo, veja a imagem deste post. O Ford Nucleon, como o nome implica, foi um carro conceito da Ford, criado em 1958, para avaliar as possibilidades de um veículo automotivo movido a energia nuclear. Nenhum veículo automotivo até hoje utilizou energia nuclear até onde eu saiba, mas o espírito desse conceito era explorar a possibilidade e instigar a curiosidade de engenheiros. Como a própria Ford disse:
Carros como o Nucleon ilustram o quão profundas eram as pesquisas sobre o futuro conduzidas na Ford, e demonstram que os designers recusavam-se a admitir que algo não poderia ser feito simplesmente porque nunca havia sido feito.
Quando Tolkien inventou as línguas élficas, o único exemplo de língua inventada que “deu certo” era o Esperanto. Criar línguas era um “vício secreto”, como ele descreveu. Mas ao contrário de L.L. Zamenhof, o seu objetivo era que elas fossem bonitas, e não úteis. Ele queria passar um senso estético elevado, e não resolver um problema geopolítico. Ambas são “línguas conceituais”, mas o Quenya e o Sindarin tem outro objetivo conceitual: o de construir a língua mais bela que já existiu. O que ele não esperava é que as pessoas fossem gostar tanto da invenção dele a ponto de querer compartilhar da criação.
Minha vida nunca mais foi a mesma depois das línguas élficas, porque eu sempre me senti mais consciente do que eu escrevo e do que eu falo, de como eu falo e do significado mais profundo do vocabulário que eu utilizo. É como se um terceiro olho houvesse se aberto na minha testa. Em outras palavras, valeu a pena.