O Roger A. Lucania me perguntou nos comentários de outro post qual é a minha metodologia para traduzir nomes para as línguas élficas. Como até o momento eu não escrevi sobre isso, achei que seria bom compartilhar com vocês.
A minha abordagem
A tradução de nomes não é, para mim ao menos, uma tarefa só de juntar palavras em um composto, pois a estética do nome é importante. Eu creio que o nome que eu mais me orgulho do resultado seria a tradução Sindarin de Ricardo, Thargon, pela estética tolkieniana (veja por exemplo Turgon e Fingon). Aglargon, a tradução para Rodrigo, não possui o mesmo impacto.
O primeiro passo para a tradução de um nome é buscar o significado. Isso não é feito em sites meia-boca como este aqui. Um estudo etimológico do nome é necessário, junto com uma lista de fontes confiáveis dos quais o site tirou a análise, para que eu aceite o site como uma fonte confiável. Eu não tenho problema com análises místicas de nomes, mas elas não nos servem. Uma análise séria é necessária para que tenhamos uma base sobre a qual trabalhar.
Quais sites eu recomendo? A Behind the Name e o Online Etymology Dictionary. Infelizmente eu não encontrei um site com a mesma qualidade em português, mas em geral os únicos nomes que eu não encontro nesses dois sites são os indígenas brasileiros.
Uma vez que o nome seja encontrado, como por exemplo Roger, é hora de encontrar os elementos que compõem o nome. É aí que algumas coisas precisam ser analisadas. Por exemplo, a palavra alcar “glória” (de onde sai o adjetivo alcarin “glorioso”) aparece dessa forma durante pelo menos 40 anos de desenvolvimento do Quenya por Tolkien, mas “lança” é apresentada tanto como ehtë quanto hatal por Tolkien dentro desses mesmo 40 anos. Como decidir qual usar? Consideramos que os termos são intercambiáveis? Ou por hatal ser relacionado ao verbo hat- “lançar” (que só apareceu no Qenya Lexicon em 1915) trata-se de lanças próprias para arremessar? Seria ehtë um termo próprio para lanças longas, como o pique?
Uma vez que você encontrou os elementos, é só juntá-los da melhor forma possível. Alcarinehtë é uma excelente tradução para Rogéria. Para transformar em um nome masculino, eu substituí o –ë por –on. No livro impresso do Curso de Quenya há um apêndice que trata sobre prefixos e sufixos, inclusive os masculinos e femininos; o apêndice é baseado nesta página da Ardalambion, que infelizmente temos acesso somente em inglês, já que a versão em português do site não retornou depois da perda dos HDDs do servidor.
Uma vez que o nome em Quenya foi feito, eu passo para o Sindarin. Geralmente (não sempre) os cognatos são fáceis de encontrar no dicionário Hiswelóke, ou são mais fáceis de criar. A criação de um elemento faltando é um assunto muito longo para que possamos cobrir aqui, mas as vezes é necessário se você quiser obter qualquer resultado. Algumas vezes, contudo, o contrário acontece: o elemento existe em Sindarin, mas não em Quenya. Se for o caso, o artigo The Evolution from Primitive Elvish to Quenya (PDF) na Ardalambion é o mais indicado.
Uma nota importante sobre o Sindarin é que, normalmente, o segundo elemento de um composto (a junção de duas palavras) sofre mutação consonantal suave, a famosa lenição. É importante ler o Curso de Sindarin para compreender como essa mutação funciona.
Outra abordagem
A minha abordagem, descrita acima e que utilizei nas minhas traduções quando criei o site, é extremamente rudimentar comparada com a abordagem de Roman Rausch, em seu Systematic approach to Elvish name translations. Rausch decantou o processo de tradução do próprio Tolkien e percebeu alguns fatores-chave:
- “Deus” nunca é traduzido para Eru, mas sim para Vala, pois na Terra-média o nome de Deus era muito sagrado para ser banalizado. Por exemplo, em Gabriel o elemento ‘el obviamente refere-se a YHVH (Yahweh), mas é etimologicamente conectado a elohim, que também pode ser utilizado de forma geral para vários deuses (como os egípcios, em Êxodo 12:12). Rausch provavelmente utilizaria Vala, evitando Eru, na composição de um nome.
- Tolkien não utilizava desinência agental nas suas traduções. P.ex. Eldavel ao invés de **Eldaveldo.
- O Professor também não utilizava sempre o substantivo inteiro. Em Eldakan, a raiz KAN- é sufixada, mas não o substantivo káne (na grafia do SdA, Eldacan e cánë respectivamente).
- Rausch sugere a substituição de nomes de deuses germânicos para os Valar correspondentes. Odin sendo Manwë, Thor sendo Tulkas e assim por diante.
Há no artigo diversos exemplos de raízes germânicas traduzidas. Utilizando-as como guia, a tradução para “Ricardo” seria Q. Taryaher ou Taryacáno, S. Tarhir ou Targon. “Eduardo”, que eu traduzi para o Q. Almarvarno, S. Galuverior, seria Q. Herentir e S. Herendir. “Gabriel” seria Q. Valaner e S. Balandir.